Superlotação
e manutenção precária podem ter causado acidente em Paraty
Quinze
pessoas morreram e 66 ficaram feridas na tragédia. Empresa dona do coletivo é
alvo de críticas por frote precária
POR DICLER DE MELLO E SOUZA, GUSTAVO GOULART, MARCO GRILLO E VERA ARAÚJO
08/09/2015 5:00 / ATUALIZADO 08/09/2015 9:48
PARATY e RIO
— A polícia investiga uma sucessão de irregularidades que poderá explicar o
acidente de domingo em Paraty, onde 15 pessoas morreram e 66 ficaram feridas
quando um ônibus tombou na estrada para Trindade. Superlotação, falta de
manutenção — os pneus aparentemente estavam carecas — e uma suposta falha do
sistema de freios são algumas das hipóteses da tragédia anunciada. Com o
monopólio do transporte de passageiros no município, a Colitur Transportes
Rodoviários é, há anos, alvo de críticas, por manter em circulação uma frota
precária. Apesar dos problemas recorrentes e das inúmeras denúncias que já
chegaram ao Ministério Público, a empresa, que explora um serviço nunca
licitado, se recusou, no ano passado, a assinar um termo de ajustamento de
conduta (TAC) proposto por promotores, com o objetivo de melhorar a qualidade
do transporte público na região.O promotor
da 2ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Angra dos Reis, Alexander
Véras, afirmou que, se for constatada a omissão da prefeitura e da empresa de
ônibus, o MP deverá entrar com uma nova ação civil pública:
— Avalio a
possibilidade de eventual ação de improbidade administrativa para apuração de
responsabilidades, principalmente das autoridades locais.O clima era
de comoção na segunda-feira nos municípios da Costa Verde. Desde o início da
manhã de segunda-feira, foi grande o movimento de parentes de vítimas que
estiveram no Instituto Médico-Legal (IML) de Angra dos Reis, para fazer o
reconhecimento dos corpos.
Foram
identificados os 15 mortos: Juliana Rocha Medeiros dos Santos, de 26 anos;
Vanilda Santana de Moura, de 62 anos; Gabriele Matheus de Macedo, de 21 anos;
Sueli Testai Atui, 68 anos; Kênia Diany Garcia, de 22 anos; Robson Antunes
Braga, de 52 anos, e a mulher dele, Cláudia Maria Arruda, de 54 anos; Bruno
Mariane da Silva, de 26 anos; Kathillyn Fernandes Xavier, de 18 anos; Tatiane
Assis Albuquerque, de 38 anos; Thalita Amâncio de Souza, 31 anos; e a irmã,
Raquel Amâncio de Souza, 41 anos; Alex Pinho Medeiros, de 34 anos; Ricardo
Henrique de Souza, de 22 anos; e namorada, Michele Aparecida Oliveira Silva, de
21 anos.
Muito
revoltada, Iara Cristina da Silva, de 43 anos, desabafou após reconhecer o
corpo do filho Bruno Mariane, pai de duas crianças (uma menina de 3 meses e um
menino de 6 anos). Ele morava em Ferraz de Vasconcelos (SP) e ia passar o
feriado com a mãe, que é ajudante de cozinha e moradora de Trindade.
— A vida do
meu filho custou R$ 3,40. Foi quanto a empresa cobrou dele para fazer essa
maldade — disse a mãe. — Falei com meu filho pouco antes de ele entrar no
ônibus. Depois do acidente, conversei com pessoas que estavam no veículo. O
motorista não teve culpa. As pessoas me contaram que havia excesso de
passageiros e que o freio não funcionou. Disseram que o motorista, para não
jogar o ônibus numa ribanceira, o que provocaria uma tragédia ainda maior,
desviou o veículo para o lado contrário. Mas, por causa do excesso de peso, o
coletivo tombou. Meu filho veio passear de ônibus e vai voltar num caixão.
PAI DE
VÍTIMA: ‘ESTOU DESESPERADO’
A secretária
Telma Aversa, de 57 anos, que viajava no ônibus, contou uma história parecida.
De acordo com ela, quando estava passando pelo localidade conhecida como Morro
do Deus Me Livre, o motorista gritou: “Estou sem freio”.
— Foi tudo
muito rápido — disse ela. — Algumas pessoas desmaiaram. O ônibus estava
superlotado.
Wandeval
Medeiros, pai de Juliana Medeiros, estudante do 5º período de direito na
Universidade Paulista (Unip), a primeira vítima a ser identificada, estava
desorientado e aos prantos.
— Estou
desesperado. Não sei o que fazer, Juliana era minha filha única — repetia.
Wilson Gonçalves, pai de Kathillyn
Fernandes, de 18 anos, chora no Instituto Médico-Legal de Angra: “Ela passou no
vestibular e estava no primeiro ano de pedagogia” - Paulo Dimas/Diário
do Vale
Quando
Kathillyn Fernandes saiu de sua casa em São Paulo, para um fim de semana na
paradisíaca Trindade, só tinha motivos para comemorar.
— Ela passou
no vestibular e estava no primeiro ano do curso de pedagogia. Faria aniversário
em novembro e estava viajando com um grupo de amigos, entre eles, Gabriele
Matheus, que também morreu — contou o pai, Wilson Gonçalves de Abreu, de 50
anos.
A dona de
casa Vanilda Santana foi reconhecida pelo filho, o mecânico Leônidas Moura
Filho, de 44 anos. Ela morava em Parelheiros, distrito de São Paulo, e foi
passar o feriado com amigos numa pousada em Trindade. Já Gabriele Matheus
cursava o 3º ano de publicidade na Faculdade Butantã. O corpo foi reconhecido
pelo pai da jovem, Valmir João de Macedo, de 48 anos. A vítima morava no bairro
de Brasilândia, também na capital paulista.
Gabriele Matheus com Kathillyn
Fernandes: ambas perderam a vida no acidente -
Outra
passageira morta, Tatiane Assis, morava na Freguesia, Ilha do Governador, e era
funcionária pública. Seu marido, Adailton Braz, de 37 anos, um dos feridos no
acidente, continua internado na UTI. Irmão de Tatiane, Ericksson de Assis
Albuquer que contou que os dois adoravam a Costa Verde. O cunhado, segundo ele,
que ainda não sabe da morte da mulher, acredita que os dois sobreviveram porque
estavam na parte traseira do ônibus:
— Ele me
disse que o ônibus tombou de forma muito rápida e violenta.
O cartório
de Paraty, que funcionaria na segunda-feira até meio-dia, devido ao feriado de
7 de Setembro, suspendeu a folga, para a liberação de certidões de óbito.
O ônibus da
Colitur tinha capacidade para 45 pessoas, mas, de acordo com a polícia,
transportava 81. O suposto problema no freio, denunciado pela namorada do
motorista, Bernardete Saturnino, também será investigado. De acordo com ela,
Marcel Magalhães, que também foi internado, contou que não conseguiu frear e
teve que jogar o ônibus num terreno para não cair numa ribanceira. O motorista
foi medicado na Santa Casa de Ubatuba e recebeu alta na manhã de segunda-feira.
A polícia divulgou que uma análise preliminar não teria constatado problemas no
freio.
PERITO: CASO
LEMBRA BATEAU MOUCHE
Segundo o
perito criminal Mauro Ricart, a superlotação pode ter sido uma das principais
causas das mortes.
— Se as
investigações confirmarem que o ônibus carregava (quase) o dobro de passageiros
que sua capacidade permitia, haverá fortes indícios para explicar por que o
acidente teve tantas mortes e feridos. As pessoas são cargas móveis e, se o
ônibus tombou numa curva, houve transferência de peso para um lado só. O mesmo
aconteceu com o Bateau Mouche (embarcação turística que naufragou no réveillon
de 1988, na Baía de Guanabara, matando 55 das 142 pessoas a bordo) e com o
navio na costa da Itália (o Costa Concordia, que naufragou em 13 de janeiro de
2012 na Toscana, causando a morte de 32 passageiros). As pessoas que morreram
foram arremessadas ou estavam do lado do veículo que tombou — observou.
Os dois
pneus dianteiros do veículo estavam visivelmente carecas, mas, tanto o inspetor
de tráfego da empresa, Mário Batista, como o gerente, Tarcísio Pamizza,
contestaram a irregularidade.
— Pelo que
eu sei, a manutenção dele estava OK. Pneus bons, vistoria feita na semana
passada. Os pneus da frente não estão carecas. É que eles foram comidos um
pouquinho na hora da derrapagem. É por isso que há um “carecado” ali. Mas a
situação está normal. Foram postos os dois (pneus) juntos — disse Batista ao
“RJTV”, da Rede Globo.
De acordo
com o delegado adjunto da 166ª DP (Angra dos Reis), Márcio Teixeira de Melo, o
coletivo trafegava a cerca de 30km/h quando tombou ao tentar fazer uma curva. O
veículo estava no pátio da empresa e seria levado para a delegacia para uma
perícia mais detalhada.
O histórico
de reclamações contra os maus serviços prestados pela Colitur, sem que nada
tenha sido feito até hoje, levou moradores de Paraty a criarem, em 2013, uma
página no Facebook para criticar a empresa. Na “Basta Colitur!”, são publicadas
queixas de passageiros, fotos de veículos com problemas de manutenção e vídeos
de irregularidades no serviço.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/rio/superlotacao-manutencao-precaria-podem-ter-causado-acidente-em-paraty-17426668#ixzz3l9Ynr9MU